segunda-feira, 2 de abril de 2012

Só por uma noite




A pequena faixa de luz que entrava pela fresta da cortina bateu em seu rosto e ele acordou. Estava cansado, afinal de contas, a noite havia sido bem movimentada.
Ainda meio cego por causa do sol em seus olhos, tateou pelos lençóis e pode sentir a respiração dela ao seu lado. Sorriu. Estava satisfeito pela confirmação de que não sonhara, de que havia sido real.
Os cabelos dela estavam soltos e cobriam seu travesseiro e parte do seu rosto. Era o tipo de mulher que seus amigos tentariam disputar e com quem dificilmente conseguiriam alguma coisa. Por isso, talvez, ele ainda tinha dúvidas de como ela chegara até ali. Mas ao menos sabia e podia ter certeza de que ela estava ali. Seu corpo coberto apenas pelo lençol fino com o qual ele gostava de dormir, dava a ele a certeza da presença dela.
A noite havia sido ótima. E ele sabia disso. Talvez por culpa do álcool que o havia atiçado, ou pela capacidade que ela possuía de ter quem quisesse nas mãos. O poder que ela possuía de dominar a situação por completo.
Ficou ali, parado, analisando sua conquista. Cada curva do corpo dela que apareciam quase como uma pintura sob o tecido. Percebeu que aquela imagem quase clichê, digna de livros e filmes de romance baratos, lhe trazia um estranho contentamento.
Ele, que nunca foi um homem de muitas conquistas, estava boquiaberto com o que acontecera na noite anterior. Estava orgulhoso! Pela primeira vez em sua vida, tinha agido sem muito medo. Arriscou e conseguiu.
Algumas perguntas surgiram em sua cabeça. "E quando ela acordar?!", "Como vai reagir?!", "Será que ela vai se lembrar?!". Será que ela se lembraria do que havia sido dito na noite anterior?! Do que fora dito sem o uso de palavras?!
Ele se lembrava. De como chegaram ao quarto, de como tentou se livrar da bagunça antes de chamá-la pra entrar, de como a luz da Lua, e só ela, iluminou seus corpos durante a noite. Tudo estava nítido em sua memória. Claro como água.
Pensou se devia arrumar e diminuir o tanto de bagunça existente em seu quarto para que quando ela acordasse, não se deparasse com o ambiente que a escuridão e a loucura de algumas horas atrás a fizeram deixar passar.
Riu e se achou ridículo. O que importava aquele pé de sapato largado no canto perto da blusa caída na borda do tapete?! Ela não se importaria. Pelo menos ele imaginava que não.
E, ao olhar pra ela de novo, percebeu que não fazia a menor ideia de como ela se portaria. Do que ela falaria e como era seu olhar ao acordar.
Nesse momento, quase que instantaneamente, ela começou a se mexer e seus olhos se forçaram a abrir. Se abriram por fim e analisaram tudo a sua volta, até pousar no rapaz de aparência engraçada que ali se encontrava e que a olhava intensamente.
Ela olhou e se lembrou. Sorriu para ele e logo começou a se movimentar para sair da cama.
Disse um "oi" com a voz ainda rouca de quem foi dormir depois de muito se cansar. Ele respondeu tímido, com a voz baixa de quem não sabe o que dizer.
Já de pé, ela nem reparou na bagunça, e começou a se vestir, cobrindo a nudez que ele continuava olhando como se assim algo fizesse as roupas sumirem de novo.
Já vestida, prendeu os cabelos castanhos claros que, agora, refletiam a luz do sol que ainda entrava pela fresta da cortina, cada vez mais intensa.
Ele pergunta se ela já vai, se quer ao menos tomar café da manhã. Mas não faz todas as perguntas, porque, perguntar se ela queria conversar, ou se ela queria repetir alguma coisa da noite anterior, talvez em um lugar diferente, demonstraria todo o amadorismo que ele insistia em esconder. Não que ela não tivesse percebido que ele era uma menino, quase sem experiência, mas ele queria acreditar que havia passado despercebido.
Ela pega o telefone, e fala com alguém "oi, calma. Eu sei que tô atrasada, mas acabei de acordar. Chego aí rapidinho!" e ele percebe que ela desliga o telefone já pegando a bolsa.
Ele, ainda atordoado, a vê se aproximando, mas antes que ele consiga falar qualquer coisa, ela lhe diz ao pé do ouvido "vou gostar se a gente se esbarrar por aí de novo...", seguido de um beijo no rosto.
Ainda estático, vê a mulher, que ocupara sua noite por inteiro, abrindo a porta e saindo.
Sente um certa tristeza, mas logo volta a sua rotina. Ainda tinha muito com o que se preocupar pelas horas e dias que estavam por vir...

Até...

Daniel

Podia sorrir agora. Parecia ter a coragem que sempre lhe faltara. A coragem de sair, se mostrar e dizer para todos que não iria mudar.
Havia passado anos escondido por causa do medo da opinião dos outros. Medo do que os outros pensariam.
Eu conheci o Daniel quando éramos muito novos. Apenas eu o conhecia realmente, mas nunca convivemos muito bem.
Queria mandar em mim! Me dizendo o que era certo ou errado, e eu, sem entender, o isolei.
Passei anos mantendo o mínimo de contato possível. Não nos falávamos e eu ficava emburrada quando ouvia sobre ele.
Sei que ele tentou me procurar algumas vezes, mas eu estava irredutível.
Talvez por causa da adolescência, e por não fazer ideia de o quanto ele era necessário, eu não permitia que ele voltasse à minha vida.
O que eu não percebi foi a infelicidade se aproximando e a e a dor da ausência fazendo a necessidade de ter meu velho amigo por perto se tornando cada vez mais forte.
Um certo dia, quando eu tinha, sei lá, quinze ou dezesseis anos, alguns outros amigos, sem querer, me fizeram perceber o que não havia mais razão pra mantê-lo longe.
Refleti.
Passei noites sem dormir direito e decidi que daquele jeito não podia continuar.
Corri atrás do tempo perdido. Corri atrás do meu antigo companheiro. Do único que sepre me entendeu completamente.
Ele não estava lá.
Seja lá onde esse "lá" for, eu não o encontrei.
Alguns meses se passaram, e eu nessa busca frenética, mas já estava quase desistindo, quando ele voltou.
Sem avisar. Mas sentiu que eu o procurava.
Agora somos dois, de novo. Uma dupla e tanto!
Ligados por todos os laços possíveis e invisíveis aos olhos alheios. Eu só posso ser feliz quando ele sorri e vice-versa.
De vez em quando a gente briga, se xinga, eu digo que não vou mais escutar o que ele fala, mais ainda assim ele continua falando.
Sabe que eu não posso fugir, e tira proveito disso.
Porque, apesar de sermos diferentes, somos um só.


Até...